segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Os Andes se dobrarão!

Buenas, pessoal!
Leiam o texto abaixo como se tivesse sido postado ontem (21/11). Falta de rede Wi-Fi em Los Penitentes, Argentina, não permitiram o lançamento no blog.

"Outra vez, não tenho possibilidade de postar, no blog, o dia de hoje. Por isso, escrevo para deixar registradas as impressões deste dia memorável!
Os Andes se dobrarão à minha persistência!
Mas cobrarão um preço muito alto para me permitirem cruzar!
O que vivi hoje foi tão intenso que deixará marcas não só no corpo, como na alma e no espírito!
Febre alta, dor de ouvido, escamação total de pernas e braços, feridas nos lábios, dores articulares, são alguns dos inúmeros problemas físicos que enfrentei, muitos surgidos no dia de hoje.
Mas nada, nada me impediu de continuar! Nem mesmo os 40 km de subida, até a chegada em Los Penitentes, a 2600 metros de altitude, nem mesmo o vento de 50 km/h, batendo na frente da bicicleta, pareceram obstáculos intransponíveis.

Não me perguntem de onde veio a força (física e mental). Não sei. A cada nova subida, muitas vezes constituída de 5 km sem um momento sequer de alívio, só pensava que era apenas mais um trecho rumo ao topo! Metro após metro.
Alternei tantas vezes a altitude da pedalada, entre os 2000 e os 2500 metros, que bloqueei qualquer outro pensamento que não fosse: continua, continua, CONTINUA!

Os Andes se dobrarão à minha persistência!
Mas prepararam a arena para a luta que se travou durante todo o dia!
Não sei como descrevê-la: mesclem o pior “nordestão” do litoral gaúcho, a 8ºC – temperatura registrada em Uspallata às 07h da manhã –, à subida da serra de Salvador do Sul, não por 16, mas por 40 km, a uma bicicleta com pneu balão pesando 150kg (comigo junto).
Foi isso! Resumidamente, foi isso!

Há anos, muitos anos mesmo, não usava a relação coroa/pinhão 1-1 e 1-2 da bicicleta. Hoje, ao divisar cada nova subida, já cambiava para iniciar com essas marchas, porque sabia que seria assim, por 01 hora, 01 hora e meia, a 5km/h, quase sendo derrubado pelo vento!
Na última subida, de 7km, exaurido, apeei da bicicleta e me pus a caminhar, empurrando-a. Somente da água que coletei nos arroios – água puríssima, geladíssima, água do degelo – bebi. Foi o alimento que me manteve consciente, lúcido, focado. Água recheada de minerais. A água mais pura do mundo!
Os Andes se dobrarão à minha persistência!
Mas deixarão para o último dia de subida o desafio maior: a chegada a Las Cuevas, a apenas 20 km de distância, porém 500 metros mais para cima, para bater na casa dos 3.100 metros de altitude!
Os Andes querem coroar o maior esforço mental que já fiz em toda a minha vida, mas exigirão o ápice!
Amanhã! Amanhã...

Já é noite na Cordilheira. Tomo banho, janto, e saio para caminhar na beira da Rodovia. Quero me afastar das luzes artificiais para apreciar a beleza das montanhas. A lua cheia está escondida atrás dos altos montes, mas seu clarão aos poucos vai se refletindo no Cume Tolossa, ao sopé do qual Los Penitentes nasceu. 5500 metros de altitude!
Passa um avião, em direção a Santiago. Só vejo suas luzes. Parece próximo.
Como as estrelas. As que sobreviveram ao clarão da lua estão tão perto que penso em levantar as mãos para tocá-las. Estou perto do céu. Estou no céu.
O Aconcágua já está para trás, mas as montanhas não me permitem enxergá-lo. Somente amanhã o verei, a 30 km de distância, um colosso de pedra e neve que preenche a paisagem, mesmo a distância tão grande. Para trás já ficou o Tupungato, com seus 6600 metros, tão gigantesco quanto o Aconcágua, tão magnífico que levo um choque quando o vejo, numa curva da estrada, em Punta de Vacas. Escapa-me um “uau!” e paro a bicicleta para permitir que flua a emoção daquele momento.
Os Andes se dobrarão à minha persistência.
Se dobrarão!
Bait’abraço a todos!