sábado, 20 de novembro de 2010

O topo da Cordilheira dos Andes cada vez mais próximo!

Buenas, pessoal!
Sentado no hall de entrada de um Hotel em Uspallata, por alguns instantes tento organizar meus pensamentos, para começar a escrever.
10h da manhã: Ricardo, cicloturista uruguaio, mas que viveu em Santa Maria por anos. Falar português, que maravilha (para ambos)! Seguia de Uspallata para Mendoza! Já sabia que eu estava subindo, porque os motociclistas que eu encontrei ontem fofocaram para ele que um gaúcho estava chegando.
Meio-dia: três ciclistas argentinos de Mendoza. Estão indo de lá para Viña del Mar, no Chile, na estrada por três dias! Subir alguns quilômetros juntos, compartilhando experiências! Que bárbaro! Foi muito engraçado ouvi-los chamar-me de "Pablo". "Fuerza, Pablo!"
01h da tarde: um casal de ciclistas, descendo para Mendoza, um aceno, um adeus, um "buena viaje", e seguem seu caminho.
16h, no Hotel: um ciclista nova iorquino estende suas roupas recém lavadas ao lado do meu quarto. Não fala uma palavra em espanhol, anda com o dicionário debaixo do braço! "A circle in street, than can i do eat?" Acho que foi isso que ele perguntou, querendo saber se depois da rótula havia um restaurante.
17h, no Hotel: um casal de holandeses estaciona as bicicletas, procura um quarto com cama de casal, não há mais, arriscamos um inglês espanholado, ou um espanhol inglesado, conversamos por meia-hora, seguem seu caminho procurando outro hotel. Aperta minha mão com força e segurança. É gente do bem. Sua esposa só exclama: "yea, yea, yea!" Que gente destemida!
18h: um jovem norte-americano, viajante de ônibus, tenta acessar a internet no saguão do hotel, não consegue, iniciamos a conversa, consigo arranhar um inglês sofrível, me faço entender, ele se esforça no espanhol, conta-me boa parte da sua aventura. Faz questão de me dar um "bye" quando sai para caminhar.
19h30min: o nova iorquino faz um novo desenho para o recepcionista que, totalmente perdido, só ri. Nem concorda, nem discorda...
Isso aqui é uma Babel, pessoal!

E a chegada em Uspallata?
Foram incontáveis subidas e descidas, mas eu estava consciente de que estava pedalando para o alto, e muito, porque o caudaloso Rio Mendoza fazia ecoar nos paredões das montanhas o rufar de suas corredeiras. E se há corredeiras, há desnível. E se há desnível, estou subindo, estou subindo!
Cordilheira de muitas cores, de muitas formas, que lentamente vai deixando de ser areia e pedra para virar blocos de rocha nua.
Vi os primeiros picos nevados ainda em Los Potrerillos, onde pernoitei. Quase caí para trás quando meu hospedeiro disse-me que estavam a 180 quilômetros de distância. Dá para imaginar o que seja isso? Parecia que a 10 quilômetros cruzaria por elas! É tudo inacreditável!
Desse mesmo hospedeiro, ganhei uma carta de recomendação para quando cruzar por Los Penitentes, Punta Vacas, Puente del Inca e Las Cuevas. Conhece os donos de hospedagens e de restaurantes. E dele ganhei também uma bíblia, em espanhol, para que não me esquecesse mais de que ele gostara muito de mim. E me fez prometer que, no dia em que cruzar por Los Potrerillos, entraria para visitar sua família (esposa e dois filhos adolescentes) e lhe proporcionar um dia inteiro de boa conversa. Deu-me, ainda, folhas de um chá para indisposição estomacal, se fosse necessário!
Claro que furou um pneu novamente. Foi murchando devagarinho, devagarinho, consegui ainda chegar em Uspallata. Retirei os alforjes, levei a bicicleta a uma oficina, o mecânico não só consertou o furo como ainda trocou o pneu traseiro (estava bom ainda, mas não aguento mais remendar câmaras) e lubrificou todo o sistema de correia e cassetes. Ao preço de... $ 15 pesos (ou R$ 7,00). Não concordei, dei $ 20 pesos em consideração ao seu excelente trabalho. Pediu-me, então, que publicasse o nome da Oficina para que, se um dia algum cicloturista passasse por Uspallata, fosse visitá-lo. Aí vai a promessa cumprida: Eduardo Cignacco, START BIKE. Vale a pena conhecer sua oficina! O cara é galo!
E um "catarina", que viu minha bicicleta parada no restaurante, ao meio-dia, pediu-me licença para tirar uma foto com o meu capacete (super fedorento!), como se tivesse chegado pedalando? Esposa, e outros companheiros de viagem, se mataram de tanto rir! E fotos tiradas para guardar o momento!
Nevou semana passada na Cordilheira! E hoje um vento terrível está assolando Uspallata! Como será amanhã? Disseram-me que terei subidas medonhas, que o Aconcágua já está próximo, e que terei que proteger a garganta para aguentar o frio que está fazendo!
Acho que, na verdade, o desafio nem começou ainda!
Ah, amanhã bato meu recorde de viagens de longa distância de bicicleta. Já percorri 2.150km, e, quando passar de 2.170,9 km (distância que percorri até Brasília, em 2006), essa será a nova marca (a ser superada, claro, eh, eh...)
A internet "fraca" não está permitindo postagens de fotos. Assim que der, elas virão, prometo.
Bait'abraço a todos!

Sua Majestade, a Cordilheira!

Buenas, pessoal!

Leiam esta postagem abaixo como se tivesse sido postada ontem. Foi tudo tão mágico, que preferi escrever ontem mesmo e aguardar disponibilidade de Wi-Fi para publicar no blog.

"Mesmo não tendo rede Wi-Fi disponível onde estou hospedado (na localidade de Los Potrerillos, um distrito de Lujan de Cuyo), por todas as sensações que tive hoje, achei melhor deixar registrado num Arquivo Word como foi meu dia para, na primeira oportunidade possível, postar no Blog, com as fotos correspondentes.
Estou no interior da Cordilheira dos Andes! Cumprindo um roteiro tipo “Plano B”, sim, mas pedalando entre as montanhas de pedra e areia!
Saí de Mendoza às 07h30min disposto a percorrer os 120 km que me separavam de Uspallata, mesmo sabendo que seria morro acima.
Contudo, devido ao forte vento contra, três horas depois, sem ter ingressado na Cordilheira propriamente dita, havia percorrido não mais do que 35 km! Mas era evidente que estava subindo, de forma constante e penosa. Não conseguia impor ritmo à pedalada!
Ainda nesse trecho, dois motociclistas se aproximaram, um deles passou por mim, mas o outro foi reduzindo a velocidade, reduzindo, até andar no meu ritmo. Numa Hornet 600 a 10 por hora! Perguntou-me de onde eu vinha e, quando lhe respondi “de Porto Alegre” (larguei de mão de dizer que sou de Montenegro, porque ficam meia-hora perguntando onde fica), ele disse que tinha ouvido falar de mim num restaurante em Rio Cuarto! Vê se pode uma coisa dessas!
Resolvemos parar, o outro motociclista retornou, e iniciamos um divertido bate-papo na beira da Rodovia. Eles são o Álvaro Assunção, de Porto Alegre, e o Darlan Schenkel, de Canoas. Aí eles me contaram que pararam em um restaurante, e lá o atendente disse que dias atrás havia passado um brasileiro que estava indo de bicicleta para o Chile. Quando me viram, não tiveram dúvida de que eu era o tal que havia passado em Rio Cuarto. Que coincidência, não?
Outra coincidência: o Darlan é primo do Marcelo Schenkel, “seguidor” deste blog, e seus pais nasceram em Brochier, quando esta cidade era distrito de.... tcha-na-na-nam: Montenegro! Tá louco...
Os dois despediram-se de mim prometendo que, na volta, se me encontrassem, parariam novamente para contar como foi a travessia da Cordilheira de moto! Que legal, né?
De repente, bem no sopé da montanha, a rodovia embicou! E aí, não parei mais de subir! Foram 20 quilômetros nas marchas 1-3, 1-4 ou 1-5 (relação coroa/pinhão da bicicleta)! Nunca mais do que isso! Gente do céu, que sufoco! A velocidade variava entre 7km/h e 10km/h. E fazia tanto frio, em plena hora do meio-dia, que coloquei outra camiseta (de algodão) por baixo da que estava usando, já que o vento estava gelando meu suor e gerando um tremendo desconforto!
Mas a paisagem que ia se descortinando a cada curva, a cada nova subida, pagou todo o esforço! Não é possível descrever este lugar! Nem tentarei! É tão exuberante o cenário que esqueci-me do cansaço, do esforço, das dores...
Creiam-me, subindo aquele trecho danado, peguei-me muitas vezes rindo e dizendo para mim mesmo: “Estou pedalando na Cordilheira”!
E assim como fui obrigado a vencer essa subida terrível, vi-me presenteado com algo que não esperava: uma descida vertiginosa, em direção a um lago de água turmalina, formado a partir do degelo da neve das montanhas! A bicicleta despencou lomba abaixo, atingindo a velocidade de 54km/h! Que emoção! Resolvi usar os freios, pois uma pedra, um desequilíbrio, poderiam trazer conseqüências bem graves. Preferi não arriscar.
Aí, novamente uma subida!
Bem, já havia feito 65km, passava das 13h, estava cruzando o acesso à localidade de Los Proterillos, resolvi procurar um restaurante e, se houvesse hospedagem, dormir por ali mesmo. Total, não teria condições de percorrer mais 60km, morro acima, até Uspallata, sem um severo e desnecessário desgaste físico.
Assim foi: encontrei um quarto numa casa de família (que também tem um barzinho onde serve almoço e janta), e aí me alojei.
Aproveitei, então, o resto da tarde para caminhar pela beira do lago, tirar muitas fotos, ser turista por umas horas...
Na volta ao restaurante, 4 argentinos de Buenos Aires chegaram procurando algo para comer, viram a bicicleta toda carregada, a conversa fluiu, e daqui a pouco éramos uma única roda de animada e interessante conversa. Foi tão simbiótico esse encontro que, na despedida, o Alberto, sua esposa Rose, a cunhada Suzana e a amiga Patrícia fizeram questão de presentear-me com algo. Ganhei uma caixa com soro granulado, específico para casos de desidratação (e sei que estou sujeito a isso), e, da Patrícia, retirada de sua própria carteira, uma imagem de São Jorge! Não pela imagem em si, mas pelas palavras ditas (“de que essa imagem lhe era muito cara e me entregava para que eu permanecesse protegido e voltasse para casa em segurança”), e também por toda a aura positiva que envolve este lugar abençoado, foi um momento muito emocionante! Ninguém preocupou-se em conter as lágrimas, que caíram abundantes, a regar um pouco mais esta terra que só gera beleza e magia. Que encontro!
Na praça do lugar, lendo uma placa, descobri que já estou a 1.230 metros de altitude, e que a interminável subida me levou a 2.000 metros (por isso do vento gelado!), antes da fantástica descida. Em 30 quilômetros, entrei num outro mundo, gente!

Bait’abraço a todos!"
Não estou conseguindo postar fotos, porque a Internet é compartilhada. Lamento, de verdade! Mas, assim que obtiver um sinal compatível, postarei somente fotos para que vocês tenham uma pequena ideia do que é isso aqui!!!